A menina tinha medo
Da casa do medo.
A dor guardada
No quarto, na cama, no carro,
Bem lá dentro da memória do medo.
Até que o medo dissolveu-se e
Libertou-se além de si.
Escrita espontânea
A casa do medo é escura como uma casa de guardar lenha. Ela está afastada do chão. Ela está envolvida por uma energia multicolorida. O céu é dourado e o chão é verde e marrom. A casa guarda o meu medo, mas eu não tenho mais medo da casa do medo. Eu não tenho mais medo do medo. Não tenho mais medo de ter medo. Meu medo é o medo da menina que tinha que ficar sempre em guarda para não ser invadida pelo masculino distorcido do meu avô e do meu tio.
A casa do medo era a casa dos meus avós, lugar dual, do feminino acolhedor e nutritivo da minha avó e, ao mesmo tempo, do masculino adoecido do meu avô e do meu tio. Duas polaridades juntas, dois antagonismos, duas forças que me influenciaram e moldaram. A casa do medo está isolada. Não sei ainda se quero, ou consigo adentrar essa casa, jogar luz nela, caminhar pelo seu interior, como no quarto de Jackie (filme). Não sei se estou pronta para transpor as sombras, mas sei que já consigo visualizar o medo, consigo materializá-lo, consigo isolá-lo.
Essa é a minha coragem possível. A casa do medo tem tantas memórias de sobressalto, submissão, traição, mentira, hipocrisia, e ao mesmo tempo tanta doçura da minha avó. É doloroso perceber que a submissão da minha vó, potencializou o monstro do meu avô. Percebo que a minha avó querida também tinha um feminino adoecido, débil, submisso frágil demais. Tudo isso na casa do medo, tudo dentro dessa casa do medo.